Ajuste a Valor Presente – AVP faz parte da cultura dos brasileiros. Somos um povo acostumado a comprar a prazo. Como o dinheiro, igual a qualquer outra mercadoria, tem custo, cobram-se juros nesses negócios que se estendem no tempo. Da mesma forma, pechinchamos nas compras à vista e ganhamos descontos. Se o valor à vista é menor do que o pedido inicialmente pelo comerciante, isso se dá porque havia juros embutidos no preço, regra geral.
O artigo 183, inciso VIII, da Lei nº. 6.404/76 determina que os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante. Já o artigo 184, inciso III, daquela lei também manda que as obrigações, os encargos e os riscos classificados no passivo não circulante serão ajustados ao seu valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante.
A NBC TG 12 trata do Ajuste a Valor Presente – AVP, objeto da Resolução CFC nº. 1.151/09.
O objetivo desta norma é estabelecer os requisitos básicos a serem observados quando da apuração do Ajuste a Valor Presente de elementos do ativo e do passivo quando da elaboração de demonstrações contábeis, dirimindo algumas questões controversas advindas de tal procedimento.
Cuida essencialmente de questões de mensuração, não alcançando com detalhes questões de reconhecimento. É importante esclarecer que a dimensão contábil do “reconhecimento” envolve a decisão de “quando registrar” (quando contabilizar) ao passo que a dimensão contábil da “mensuração” envolve a decisão de “por quanto registrar” (qual valor contabilizar).
Determina-se que a mensuração contábil a valor presente seja aplicada no reconhecimento inicial de ativos e passivos. Apenas em certas situações excepcionais, como a que é adotada numa renegociação de dívida em que novos termos são estabelecidos, o ajuste a valor presente deve ser aplicado como se fosse nova medição de ativos e passivos. É de se ressaltar que essas situações de nova medição de ativos e passivos são raras e são matéria para julgamento daqueles que preparam e auditam demonstrações contábeis, vis-à-vis normas específicas.
O AVP é aplicável para operações que possam ser consideradas como atividades de financiamento e não para operações que são liquidadas em curto espaço de tempo, cujo efeito não seja material. Em geral, quando aplicável, o AVP será calculado com a taxa de juros que possa estar embutida nas operações. Um exemplo, mas não limitado a de evidência da existência ou não de juros, a) é a concessão de descontos financeiros (descontos dados depois das vendas) para pagamento antes do prazo de vencimento estipulado, ou b) a existência de tabela de preços distinta para pagamentos à vista.
Em muitos casos, a entidade concede normalmente prazos para pagamento da fatura. Esse prazo pode ser considerado como parte das condições comerciais normais ou inerentes das operações da entidade, sem que isso leve à caracterização de uma atividade de financiamento. Em outros casos, mesmo que não sejam concedidos descontos financeiros, as operações são efetuadas para prazos maiores. Isso representa, na essência, uma atividade de financiamento (por exemplo, entidades de varejo e de incorporação imobiliária) e, nessa situação, é aplicável o conceito do AVP.
Como diretriz geral a ser observada, ativos, passivos e situações que apresentarem uma ou mais das características abaixo devem estar sujeitos aos procedimentos de mensuração tratados:
a) transação que dá origem a um ativo, a um passivo, a uma receita ou a uma despesa ou outra mutação do patrimônio líquido cuja contrapartida é um ativo ou um passivo com liquidação financeira (recebimento ou pagamento) em data diferente da data do reconhecimento desses elementos;
b) reconhecimento periódico de mudanças de valor, utilidade ou substância de ativos ou passivos similares empregado método de alocação de descontos;
c) conjunto particular de fluxos de caixa estimados claramente associado a um ativo ou a um passivo.
Ativos e passivos monetários com juros implícitos ou explícitos embutidos devem ser mensurados pelo seu valor presente quando do seu reconhecimento inicial, por ser este o valor de custo original.
O custo de ativos não monetários (v.g.: estoque) deve ser ajustado em contrapartida, ou então a conta de receita, despesa ou outra conforme a situação. Uma vez ajustado o item não monetário, não deve mais ser submetido a ajustes subsequentes no que respeita à figura de juros embutidos.
Quando houver norma específica do CFC que discipline a forma pela qual um ativo ou passivo em particular deva ser mensurado com base no ajuste a valor presente de seus fluxos de caixa, referida norma específica deve ser observada. A regra específica sempre prevalece à regra geral. Caso especial é o relativo à figura do Imposto de Renda Diferido Ativo e à do Imposto de Renda Diferido Passivo.
Os elementos integrantes do ativo e do passivo decorrentes de operações de longo prazo, ou de curto prazo quando houver efeito relevante (até 90 dias), devem ser ajustados a valor presente com base em taxas de desconto que reflitam as melhores avaliações do mercado quanto ao valor do dinheiro no tempo e os riscos específicos do ativo e do passivo em suas datas originais.
A quantificação do ajuste a valor presente deve ser realizada em base exponencial "pro rata die", a partir da origem de cada transação, sendo os seus efeitos apropriados nas contas a que se vinculam.
As reversões dos ajustes a valor presente dos ativos e passivos monetários qualificáveis devem ser apropriadas como receitas ou despesas financeiras, a não ser que a entidade possa devidamente fundamentar que o financiamento feito a seus clientes faça parte de suas atividades operacionais, quando então as reversões serão apropriadas como receita operacional.
EFEITOS FISCAIS. Para fins de desconto a valor presente de ativos e passivos, a taxa a ser aplicada não deve ser líquida de efeitos fiscais e, sim, antes dos tributos, consoante a NBC TG 12.
Exemplo fiscal de AVP no ATIVO - Arts. 90 e 91 da IN RBF nº. 1.700/17 e Lei nº. 12.973/14. Premissas do exemplo:
- Venda de mercadoria em 02/01/2015 por R$ 120.000 para recebimento em 30/06/2016;
- Valor presente: R$ 100.000. Juros a apropriar em decorrência do ajuste a valor presente nos anos
de 2015 e 2016: R$ 13.000 e R$ 7.000, respectivamente; - Custo da mercadoria vendida:
R$ 70.000;
- Pessoa Jurídica tributada pelo Lucro Real Anual.
a) Lançamentos contábeis em 2015:
Venda da mercadoria em 02/01/2015:
D Clientes 120.000
C Receita Bruta de Vendas 120.000
D AVP s/ Receita Bruta 20.000
C Juros a apropriar 20.000
D CMV 70.000
C Estoques 70.000
Apropriação da receita financeira de 2015:
D Juros a apropriar 13.000
C Receita financeira 13.000
DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO:
Receita Bruta de Vendas 120.000
(–) AVP s/ Receita Bruta (20.000)
(=) Receita Líquida 100.000
(–) CMV (70.000)
(=) Lucro Bruto 30.000
(+) Receita financeira 13.000
(=) Lucro líquido antes do IRPJ 43.000
b) Demonstração do Lucro Real de 2015, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ 43.000
(+) Adições 20.000
(–) Exclusões (13.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. 50.000
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real 50.000
c) Lançamentos contábeis em 2016:
Apropriação da receita financeira de 2016:
D Juros a apropriar 7.000
C Receita financeira 7.000
Recebimento em 30/06/2016:
D Bancos 120.000
C Clientes 120.000
d) Demonstração do Lucro Real de 2016, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ 7.000
(+) Adições
(–) Exclusões (7.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. 0
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real 0
Exemplo fiscal de AVP no PASSIVO - Arts. 93 e 94 da IN RBF nº. 1.700/1 e Lei nº. 12.973/14. Premissas do exemplo:
- Aquisição de equipamento em 02/01/2015 por R$ 120.000 para pagamento em 30/06/2016;
- Valor presente: R$ 100.000. Juros a apropriar em decorrência do ajuste a valor presente nos anos de 2015 e 2016: R$ 13.000 e R$ 7.000, respectivamente;
- Taxa de depreciação: 10% ao ano; não há valor residual;
- Alienação do equipamento em 02/01/2018 por R$ 90.000;
- Valores realizados por depreciação e alienação são dedutíveis;
- Pessoa Jurídica tributada pelo Lucro Real Anual.
a) Lançamentos contábeis em 2015:
Aquisição do equipamento em 02/01/2015:
D Equipamentos 120.000
C Ctas a Pagar 120.000
D Juros a apropriar 20.000
C Equipamentos – subconta cf. Lei 12.973 20.000
Apropriação da despesa financeira de 2015:
D Despesa Financeira 13.000
C Juros a apropriar 13.000
Depreciação de 2015:
D Despesa Depreciação 10.000
D Equip.Deprec.Acum. – subconta cf. Lei 12.973 2.000
C Equip.Deprec.Acum. 12.000
b) Demonstração do Lucro Real de 2015, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ (23.000)
(+) Adições 13.000
(–) Exclusões (2.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. (12.000)
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real (12.000)
c) Lançamentos contábeis em 2016:
Apropriação da despesa financeira de 2016:
Despesa Financeira 7.000
C Juros a apropriar 7.000
Pagamento do equipamento em 30/06/2016:
D Ctas a Pagar 120.000
C Bancos 120.000
Depreciação de 2016:
D Despesa Depreciação 10.000
D Equip.Deprec.Acum. – subconta cf. Lei 12.973 2.000
C Equip.Deprec.Acum. 12.000
d) Demonstração do Lucro Real de 2016, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ (17.000)
(+) Adições 7.000
(–) Exclusões (2.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. (12.000)
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real (12.000)
e) Lançamentos contábeis em 2017:
Depreciação de 2017:
D Despesa Depreciação 10.000
D Equip.Deprec.Acum. – subconta cf. Lei 12.973 2.000
C Equip.Deprec.Acum. 12.000
f) Demonstração do Lucro Real de 2017, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ (10.000)
(+) Adições
(–) Exclusões (2.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. (12.000)
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real (12.000)
g) Lançamentos contábeis em 2018:
Alienação do equipamento em 02/01/2018:
D Bancos 90.000
C Receita na venda do equipamento 90.000
D Custo do equipamento vendido 70.000
D Equipamentos – subconta cf. Lei 12.973 20.000
D Equip.Deprec.Acum. 36.000
C Equipamentos 120.000
C Equip.Deprec.Acum. – subconta cf. Lei 12.973 6.000
h) Demonstração do Lucro Real de 2018, transcrita no Lalur:
Lucro líquido antes do IRPJ 20.000
(+) Adições
(–) Exclusões (14.000)
(=) Lucro real antes da comp. prej. 6.000
(–) Compensação de prejuízos fiscais
(=) Lucro real 6.000
Autor:
DEUSMAR JOSÉ RODRIGUES
Contador e Advogado
Contato:
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