Neste ensaio daremos os primeiros passos rumo ao aprendizado de um tema muito complexo e soberbo sob os pontos de vista contábil e fiscal: discorremos sobre o ágio e seus primos-irmãos.
Os anos noventa no Brasil foram marcados inclusive por grandes rearranjos societários, puxados por incentivos mercadológicos e benefícios fiscais federais. Foram negociadas fusões, incorporações e cisões entre várias empresas com aproveitamento de ágio.
No sentido corriqueiro, ágio é um sobrepreço pago por algum bem, ou seja, se o preço é R$ 100.000,00, paga-se, por exemplo, a quantia de R$ 110.000,00. Em sua acepção mais corrente, designa um instituto genérico. Assim, teríamos:
I) ágio por mais valia de ativos: o valor justo, isto é, o preço que seria recebido pela venda de um ativo específico ou que seria pago pela transferência de um passivo específico em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração (CPC 46), é maior do que o valor contábil;
II) ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill): valor de aquisição maior do que o valor justo. O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) reconhecido em uma combinação de negócios é um ativo que representa benefícios econômicos futuros gerados por outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, que não são identificados individualmente e reconhecidos Separadamente[1] (CPC 4);
III) ganho proveniente de compra vantajosa: aquisição pelo valor menor que o valor justo; e
IV) ganho ou ágio por menos valia de ativos: aquisição pelo valor menor de ativos registrados a maior do que o valor justo ou passivos que deveriam estar registrados e não estão por questão regulatória.
O CPC 15 prevê que o adquirente deve reconhecer o ágio por rentabilidade futura (goodwill), na data da aquisição, mensurado como o valor em que (a) exceder (b) abaixo:
(a) a soma:
I) da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida para a qual geralmente se exige o valor justo na data da aquisição;
II) do valor das participações de não controladores na adquirida; e
III) no caso de combinação de negócios realizada em estágios, o valor justo, na data da aquisição, da participação do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação;
(b) o valor líquido, na data da aquisição, dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos.
Em relação a compra vantajosa, assim entendida uma combinação de negócios cujo valor determinado pelo item (b) é maior que a soma dos valores especificados no item (a), caso o excesso de valor permaneça após a aplicação das exigências daquele pronunciamento, o adquirente deve reconhecer o ganho no resultado do período, na data da aquisição.
ASPECTOS FISCAIS. O Decreto-Lei nº. 1.598/77[2] já regrava o investimento em sociedade controlada e coligada, cujo aporte fosse feito pelo Método da Equivalência Patrimonial – MEP. A redação anterior do art. 20 assim previa:
Art 20 - O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:
I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e
II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.
O lançamento do ágio ou deságio deveria indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:
a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
Para aproveitamento do benefício fiscal previsto no art. 7º. da Lei nº. 9.532/97, o qual permitia a amortização do valor do ágio cujo fundamento fosse o de que tratava a alínea "b" do § 2° do art. 20 daquele Decreto-Lei, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração, não poucos contribuintes realizaram triangulação de compra de empresas dentro do próprio grupo econômico, e com isto aproveitar o chamado ágio interno ou ágio de si mesmo.
Por falta de fundamento econômico ou propósito negocial, ou no caso de simulação ou fraude, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF não admite o chamado ágio interno ou ágio de si mesmo. Seria consentir que uma empresa gerasse ágio com suas quotas ou ações em transação com suas próprias ramificações societárias.
Com o advento da Lei nº. 12.973/2014[3], que recepcionou o novo padrão contábil e normatizou seus efeitos na seara tributária, o favor fiscal ficou restrito a negócios aquisitivos entre partes não dependentes. Assim:
I) Mais e menos valia. Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, o saldo existente na contabilidade a título de mais valia, na data da aquisição da participação societária, referente à mais-valia de que trata o inciso II do caput do art. 20 do Decreto-Lei nº. 1.598/77, decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes,poderá ser considerado como integrante do custo do bem ou direito que lhe deu causa, para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão. (art. 20). Já na menos valia, o saldo existente na contabilidade deverá ser considerado como integrante do custo do bem ou direito que lhe deu causa para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão (art. 21).
II) Goodwill. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detinha participação societária adquirida com ágio por rentabilidade futura (goodwill) decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, apurado segundo o disposto no inciso III do caput do art. 20 do Decreto-Lei no 1.598/77, poderá excluir para fins de apuração do lucro real dos períodos de apuração subsequentes o saldo do referido ágio existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração (art. 22).
III) Ganho por compra vantajosa. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detinha participação societária adquirida com ganho proveniente de compra vantajosa, conforme definido no § 6º do art. 20 do Decreto-Lei no 1.598/77, deverá computar o referido ganho na determinação do lucro real dos períodos de apuração subsequentes à data do evento, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração (art. 23).
Ao cabo desta consolidação de normas, resta claro que o ágio e seus desdobramentos constituem imenso desafio nas junções e separações de sociedades coligadas e controladas. Seu enfrentamento se faz com pessoal detentor de alta expertise contábil e tributária.
AUTOR:
DEUSMAR JOSÉ RODRIGUES
Contador e Advogado
CONTATO:
www.ottcontabilidade.com.br
[1] Exemplo com empresas avaliadas pelo MEP: Empresa Alfa adquire 100% da Beta por 1.000.000,00, enquanto o valor do PL da adquirida era de 700.000,00, mas avaliado a valor justo por 900.000,00. Assim temos 200.000,00 de mais valia e 100.000,00 de goodwill.
[2] Regulamentado pelo Decreto nº. 3.000/99, arts. 386/391.
[3] A IN RFB nº. 1.700/2017 regulamenta também esta lei.
Art. 185. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida segundo o disposto no art. 178:
I - poderá considerar como integrante do custo do bem ou direito que lhe deu causa o saldo existente na contabilidade, na data da aquisição da participação societária, referente à mais-valia de que trata o inciso II do caput do art. 178, decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão;
II - deverá considerar o saldo existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, referente à menos-valia de que trata o inciso II do caput do art. 178, como integrante do custo do bem ou direito que lhe deu causa para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão;
III - poderá excluir, para fins de apuração do lucro real e do resultado ajustado dos períodos de apuração subsequentes, o saldo do ágio por rentabilidade futura (goodwill) decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, apurado segundo o disposto no inciso III do caput do art. 178, existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV - o ganho proveniente de compra vantajosa, que corresponde ao excesso do valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da participação adquirida, em relação ao custo de aquisição da participação societária, deverá ser computado na determinação do lucro real e do resultado ajustado dos períodos de apuração subsequentes à data do evento, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se inclusive quando a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária.