O Brasil era rural até meados do século passado. Os trabalhadores rurais estavam atrasados em termos de proteção securitária, já reconhecida a algumas categorias urbanas. A mão-de-obra, que antes era escrava e gratuita, continuava barata e aviltada, pois os trabalhadores rurais foram alijados dos mais elementares direitos sociais. Tal situação se amenizou, do ponto de vista legislativo, com o advento da Lei nº. 5.889/73, a qual reconheceu direitos trabalhistas, mantendo os rurais de fora da proteção securitária. Em 1988, a Constituição Federal equiparou os direitos dos rurícolas aos dos trabalhadores urbanos.
A classe de trabalhadores rurais é gênero também para a Seguridade Social. Desse conjunto de laboristas surgem os empregados rurais, os contribuintes individuais (eventuais) e os segurados especiais. Destes últimos falaremos de agora em diante.
Os segurados especiais, numa visão religiosa, são imagens cristãs de pessoas pobres, carecedoras de proteção por parte do Estado. Claro que nos dias correntes poderemos encontrar pessoas com perfil arrojado e usuárias de ferramentas digitais de trabalho, porém com negócios voltados para a própria sobrevivência e manutenção familiar.
Para fins de benefícios previdenciários, o art. 11, inciso VII, da Lei nº. 8.213/91 diz quem são os segurados especiais a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b anteriores, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
Uma das características da Seguridade Social brasileira é ser organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Em se tratando de seguro geral contributivo, para obtenção de benefícios em dinheiro, o segurado deve contribuir mensalmente. É que impõe o art. 201 da Constituição Federal. Há exceção para os segurados especiais no art. 39 da Lei nº. 8.213/91. A eles se garante a concessão de aposentadoria por idade (55 anos para mulher e 60 para homens) ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido.
A justifica para a dispensa de comprovação de contribuição é social, ante a hipossuficiente presumida, e pelo fato de serem pequenos vendedores de produtos rurais, recaindo sobre o adquirente da produção comercializada a obrigação de reter o percentual de 2,3% sobre a receita bruta proveniente da venda.
A jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização – TNU dos Juizados Especiais Federais consagrou o seguinte entendimento sobre os direitos dos segurados especiais:
I) para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural, o tempo de exercício de atividade equivalente à carência deve ser aferido no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima;
II) o exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto;
III) a circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto;
IV) para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar;
V) a anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários;
VI) tratando-se de demanda previdenciária, o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada, nos autos, a sua exploração em regime de economia familiar;
VII) o tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de carência, conforme a regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213/91;
VIII) para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício;
IX) o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº. 8.213/91 pode ser utilizado para fins de contagem recíproca, assim entendida aquela que soma tempo de atividade privada, rural ou urbana, ao de serviço público estatutário, desde que sejam recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias;
X) a certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola; e
XI) a prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, intérprete último de lei, fixou que:
I) é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório;
II) tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício;
III) o trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas;
IV) a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Os segurados especiais realmente são especiais na legislação previdenciária e na consideração da jurisprudência brasileiras. Razões nobres há para isso, tais como correção de injustiça histórica, condição pessoal, localização geográfica (local de trabalho), cultural...
AUTOR:
DEUSMAR JOSÉ RODRIGUES
Contador e Advogado
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